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Martin Andrew Kayman ~ Alguns dos Nossos Melhores Poetas são Fascistas: Uma Introdução a Ezra Pound













(capa da 2ª edição)
colecção Aladino, 2
Fenda, 1984
(1ª edição: Fenda, 1981)


É este sentido amplo de "poetas" ou "artistas" dentro de uma estética democrática que eu quero sublinhar. A primeira coisa que este modelo nos mostra é que os nossos actuais critérios estécticos não são democráticos. Os critérios de que nos servimos para classificar Pound como "bom" ou "grande" são critérios que recusam o modelo de Jones, o qual, sustentando que todos os homens são, de diversos modos, criadores, nada tem a ver com a "excelência". Tais critérios, longe de serem democráticos, são antes determinados por uma concepção hierárquica da arte.
Estarei a afirmar aquilo que é simplesmente óbvio? Bem, se podemos aceitar - ainda que tal me pareça difícil e penoso - que os nossos critérios estéticos não são democráticos, não se justificará ao menos indagar se na realidade eles são "espontâneos"? É evidente que parecem sê-lo, e assim, se continuamos seguros de que o são, significará isso que nós somos "espontaneamente" não democráticos? E quando eles não são vistos como espontâneos, mas sim determinados, em que ficamos... com este prazer irresistível?
O que podemos dizer é que na medida em que temos uma concepção hierárquica da arte, não temos uma concepção democrática da arte. E no entanto afirmamos ter uma concepção democrática da política. Não admira pois que o dilema - boa poesia, má política - surja. E o que torna o dilema premente, é isto:  é que ele nos conduz ao reconhecimento de que o nosso prazer estético "espontâneo" não é democrático. E se ele não é democrático, em que medida são verdadeiramente democráticos os nossos valores políticos?
Como é possível ter uma perspectiva "política" democrática e um sentido estético não-democrático? A teoria política liga-se indubitavelmente à razão, à lei e à prática. Ela é, enquanto teoria, essencialmente racionalista, e é evidente que nós somos capazes de racionalizar a nossa posição como uma posição política democrática. É mais fácil que fazer o mesmo em relação ao prazer. Mas sem uma crítica da política do nosso prazer a nossa posição política em geral não será firme: pode acontecer-nos sermos apanhados a fruir a poesia de um fascista.
Apresentam-se duas alternativas: continuar agonizando sobre o nosso incipiente fascismo estético; ou então arcar com a dura tarefa de uma análise do prazer. E, em última análise, é aqui que Pound nos pode ser útil. Uma vez que é tão agradável a sua poesia, dá-nos a oportunidade de encetarmos uma crítica do prazer poético de uma forma exemplar, pois, de um ponto de vista histórico, Pound pode ser visto como o exemplo da "melhor" poesia e da "pior" política da nossa era.
Uma tal crítica do prazer nada tem a ver com padrões de "gosto", os quais fazem parte da ideologia que se quer analisar. Nem, acrescente-se, terá muito que ver com a actual especialização em "pupolarismo". Ouvir os grupos folk, em vez de Wagner, não dará resultado. Na verdade, a crítica do prazer na "arte de nível" é apenas parte de um projecto que se realiza através de uma crítica da "cultura popular". Dentro do nosso modelo, a "arte" não é gosto; é sobretudo os meios da produção de significado. E a "política" será então as relações sociais da produção de significado. A nossa crítica estética - a nossa economia política do prazer - liga-se então à análise dos meios de produção de significado; os seus auxiliares são a linguística e a psicanálise e ainda a educação e a economia: como, por exemplo, na noção de Stephen Heath de "práticas específicas de significação", ou nos "meios de produção de efeitos literários" de Pierre Macherey, ou na noção poundiana de técnica. Ao analisarmos os meios de produção de efeitos literários de Pound, podemos prestar justiça ao prazer que confessamos ter tido, ao mesmo tempo que estabelecemos as bases da nossa crítica. Deste modo apresentamos uma crítica da "arte em nome da arte" que é uma análise política: uma análise da política do prazer.
Nisto não há que tomar partido por Pound, pelo governo dos E.U.A., pelos seus defensores ou pelos seus detractores. Não se trata de atacar nenhum deles. Enquanto se propõe a si mesma como análise do nosso prazer, ela é, se algo é, um ataque a nós mesmos: à nossa ficção do prazer espontâneo, à nossa sedução pela estética.
O fenómeno de Pound estabelece uma antítese radical entre os termos da política e os da arte, a qual tem de ser resolvida por uma síntese radical da arte e da política. A desgraça de Pound é conceber uma contradição entre arte e política à maneira liberal burguesa. Essa contradição pode provocar uma nova conjuntura do estético e do político: a democratização da arte - aquilo a que poderíamos chamar revolução cultural. Essa revolução deve começar por nós, numa crítica da política do nosso prazer.

Tiago Gomes ~ Viola-me Eléctrica













desenho gráfico de Mário Feliciano
Fenda, 1998
[1100 ex]


Avé Avô Cesariny

Um homem solitário a caminho da praia +
o bulício das intrigas de café +
uma conversa desconexa +
uma fórmula minimal repetitiva +
um sub-real encadeante +
quezílias imorais sociais -
1 poeta e pitor infeliz =
Avé Cesariny, positivo e negativo
poetoupeira lasciva
debochado dada
abissalmente graficoposto
agoniado ou bem disposto
lacónico animal subterrâneo
roupa suja para lavar em máquina eclética.


O Último Abraço

Pensara várias vezes
em ser um kamikaze
com uma bomba no peito
e dar um abraço
apertado e cordial
ao primeiro-ministro do seu país.