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J. -B. Pontalis ~ Entre o sonho e a dor


tradução de Miguel Serras Pereira
capa de João Bicker/FBA
Fenda, 2001


Freud, numa das primeiras definições que deu do recalcamento, achou possível dizer dele que era uma «falha de tradução». Que diremos, assim, da própria tradução necessariamente em falha, a não ser que se arrisca sempre a instalar um acréscimo de recalcamento? Pior ainda: um duplo recalcamento, o da língua materna do autor e, igualmente, da do tradutor.
Todo o tradutor está consciente do risco, ou devia estar.Oscila sempre entre um «traduzir demais», marcado pela preocupação da legibilidade e do correctamente dito, e um «traduzir de menos», colocado sob o signo da literalidade, da fidelidade absoluta ao texto original. No primeiro caso, entende submeter-se apenas às exigências da sua própria língua, ou até do seu próprio estilo; no segundo, quer obedecer apenas à língua e ao estilo do autor. Transpor ou decalcar? De facto, seja qual for a opção assumida, o tradutor é o agente de um dito de outra maneira: o próprio copista, que pretende apagar a sua intervenção, deforma. Afinal de contas, porque seria o tradutor o único a escapar às astúcias do inconsciente? Mas é difícil admitirmos que a operação de traduzir se dê sem perda, ou seja, castração. Para consentirmos na perda, precisamos de prever que dela algum ganho possa resultar.