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José Madeira ~ Camões Contra a Expansão e o Império


capa de Secretorix
Fenda, 2000


O que significa a mitologia é que os portugueses, que se dizem cristãos, pela sua acção se revelam pagãos e, como tal, toda a sua «gesta» fica deste modo condenada. Ao denunciar como falsa a mitologia, condena-se igualmente essa «gesta», constituindo esta denúncia um dos mais virulentos e significativos (porque estrutural) elementos da crítica à empresa narrada. O «hibridismo» a que nos temos vindo a referir, tema paralelo da confusão dos cultos, que trataremos em breve, explicita precisamente a obnubilação das consciências, a confusão que faz tomar por cristão o que não passa de idolatria, uma idolatria reiterada em toda a história de Portugal e da Europa. Mas vamos às provas.
A tese apontada há pouco, pela sua novidade e aparente contradição com todas as interpretações até ao momento produzidas, decerto exige uma demonstração mais detalhada. A sua justeza ficará, quanto a nós, convenientemente comprovada se se conseguir encontrar noutras partes da própria Obra de Camões expressão inequívoca do seu conteúdo, incluindo, obviamente, também Os Lusíadas. Começamos pela Lírica, pela simples razão de que foi por essa ordem que a investigação se desenvolveu. Igualmente esclarecedora será a perspectiva da mitologia ao nível dos antecedentes - tantas vezes invocados a título de «influências» - fornecidos pela tradição clássica, incluindo Platão, cristã, representada por Santo Agostinho, e humanista, com uma brave referência a Erasmo. O objectivo será mostrar que, também desse ponto de vista, a nossa tese sai reforçada, pois a atitude que atribuímos ao Poeta se harmoniza perfeitamente com uma tal tradição.