Tradução de Tomás Schmitt Cabral
design de João Bicker
Fenda 2006
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Psiquiatras e analistas de todos os tipos escreveram muito sobre os meus filmes. Fico-lhes agradecido, mas nunca leio as obras deles. Não me interessam. Noutro capítulo falo da psicanálise, terapêutica de classe. Acrescento aqui que alguns analistas, em desespero de causa, declararam que eu era "inanalisável", como se eu pertencesse a outra cultura e a outro tempo, o que afinal de contas é bem possível.
Com a idade que tenho, deixo os outros falar. A minha imaginação ainda aqui está , na sua inatacável inocência sustentar-me-á até ao fim dos meus dias. Horror à compreensão. Felicidade de acolher o inesperado. Estas tendências antigas acentuaram-se ao longo dos anos. Vou-me retirando pouco a pouco. O ano passado calculei que em seis dias, que equivalem a cento e quarenta e quatro horas, só tinha conversado com amigos durante três horas. O resto do tempo, solidão, devaneio, um copo de água ou um café, aperitivo duas vezes ao dia, uma recordação que me apanha desprevenido, uma imagem que me visita, uma coisa leva à outra, e já é noite.
Não sou filósofo, nunca tive capacidade de abstracção. Se alguns espíritos filosóficos, ou aqueles que assim se consideram, sorriem perante o que lêem, fico contente por tê-los feito passar um bom bocado. É um pouco como estar de regresso ao colégio dos Jesuítas de Saragoça. O professor aponta para um aluno e diz: "Refute-me o Buñuel!" E está feito em dois minutos.